A Netflix vem reforçando sua aposta no filão das comédias românticas de baixo risco emocional – aquelas que não partem o coração do público, mas entregam bem-estar, identificação e humor discreto. Dentro desse movimento, a série “Ninguém Quer” (“Nobody Wants This”, título internacional) retorna nesta quinta-feira (23) para sua tão esperada 2ª temporada, reafirmando o espaço desse tipo de narrativa no catálogo da plataforma.
Protagonizada por Kristen Bell e Adam Brody, a série conquistou, no primeiro ano, um público que vinha sentindo falta de romances contemporâneos com tons realistas, adultos, mas ainda assim otimistas. A recepção calorosa não foi fruto de grandes plot twists ou apelos melodramáticos, pelo contrário: o charme do projeto reside justamente em não tentar ser “excessivo” para conquistar seu espectador.

“Ninguém Quer” acompanha a trajetória de uma comediante de stand-up (vivida por Kristen Bell), conhecida por sua personalidade irônica e por usar as próprias frustrações nas piadas, e um escritor sensível e reservado (Adam Brody) que cruza seu caminho em circunstâncias improváveis. O encontro dos dois não segue a cartilha clássica da “química instantânea”; em vez disso, o roteiro explora o desconforto, o ceticismo, o receio de se envolver e as negociações sutis que fazem parte da vida afetiva adulta, especialmente após experiências fracassadas.
A série virou assunto justamente por retratar o romance como ele costuma ser na vida real, sem a idealização infantilizada de muitos produtos do gênero, mas também sem transformar a experiência amorosa em uma arena de grandes traumas contemporâneos. Outro mérito é o alívio cômico orgânico que faz as piadas não surgirem como “sketch transplantado”, mas de fricção social, vergonha alheia e vulnerabilidade.
Muitos críticos observaram que Bell repete aqui uma de suas zonas de conforto artísticas: personagens que soam acessíveis, autoirônicas e emocionalmente transparentes, sem caída para caricatura. Brody, por sua vez, trabalha no oposto, traz um homem aparentemente resolvido, mas que esconde camadas de hesitação e incompletude afetiva, e essa fricção é o que move a série para frente.
Por que a segunda temporada era tão aguardada
O público que abraçou a série no ano de estreia o fez por identificação. E identificação, na TV, costuma vir acompanhada de expectativa: o desejo de acompanhar não apenas “o que acontece”, mas como aquele casal negocia o depois. A maior crítica ao formato das comédias românticas de cinema é o famoso “final feliz que acaba no beijo”. O streaming, ao seriá-las, permite infiltrar o que o cinema tradicional corta: vida cotidiana, recaídas, falhas de comunicação, fases de euforia e fases de tédio, ou seja, a parte mais real.
A 2ª temporada chega exatamente nesse ponto da curva: não para repetir a conquista, mas para testar a manutenção. Esse é o terreno em que muitas narrativas românticas falham e onde o público costuma se sentir mais representado, porque a fase da tentativa de relacionamento, e não apenas da conquista, é o que compõe a vida adulta.
O que esperar narrativamente desse novo ano
Sem spoilers oficiais, a Netflix já indica que a nova leva de episódios investe em:
- exploração das dificuldades práticas da relação recém-estruturada (trabalho, ego, privilégios, independência financeira, agendas e rancores sutis);
- expansão do ecossistema social — família, colegas e antagonistas emocionais passando a interferir;
- testes de convicção: quão disposto cada um está a ceder para que o vínculo sobreviva.

(Foto: reprodução/Instagram/@netflixus)
A promessa, portanto, não é de um salto radical de tom, mas de aprofundamento do que já funcionou. O risco criativo maior é inevitável: romances que avançam para o cotidiano correm o perigo de diluir a tensão dramática. O fato de a Netflix apostar numa continuidade tão rápida sugere confiança de que a química do elenco e a delicadeza da escrita sustentam a dramaturgia mesmo sem grandes artifícios.
O papel estratégico de “Ninguém Quer” no catálogo da Netflix
Ao lançar a 2ª temporada em plena alta do consumo de conteúdo de conforto e streaming noturno, maratonas curtas e séries de 30 minutos, a Netflix reforça o posicionamento de que a demanda por histórias leves e bem escritas não é acessória, mas central. Em uma era de saturação de thrillers e distopias, o romance adulto de baixa ansiedade vira produto estratégico.
Ao mesmo tempo, a presença de dois protagonistas já queridos pela cultura pop amplia o alcance da obra para espectadores que já vinham da comédia televisiva norte-americana (no caso de Bell) e dos dramas e romances indie (no caso de Brody). Trata-se, portanto, de um produto pensado não apenas para viralizar, mas para reter assinante por vínculo emocional, o mesmo mecanismo que sustentou sucessos como “Virgin River”, “Love”, “Master of None” ou “Easy”.

A estreia da 2ª temporada de “Ninguém Quer” confirma o sucesso de uma fórmula rara no atual clima audiovisual: romance contemporâneo sem cinismo excessivo e sem sentimentalismo preguiçoso. A série existe na fronteira do real: as falas soam como conversas plausíveis, os obstáculos parecem plausíveis, e a gratificação emocional não vem por explosão, mas por microgestos, por pequenas vitórias relacionais.
Num momento em que o público procura histórias que não o esgotem, mas que ainda reflitam a complexidade de estar vivo e vulnerável, a volta da série chega no timing perfeito: atende a necessidade de escapismo sem pedir que o espectador desligue o cérebro nem o coração.

