Um episódio recente envolvendo a aceitação do Pix por uma rede de supermercados em Braga, no norte de Portugal, acendeu o pavio para discussões mais profundas. Perfis ligados à direita radical, como o “Resistência Lusitana” no X (antigo Twitter), expressaram abertamente o receio de uma “brasileirização de Portugal“, equiparando-a a uma “ameaça à sobrevivência da identidade portuguesa“.
Essa percepção, embora minoritária, reflete uma parcela da sociedade lusitana que vê com apreensão a mudança cultural impulsionada pela expressiva comunidade brasileira residente no país. Mais de 510 mil brasileiros vivem no país europeu atualmente, conforme os dados do Ministério das Relações Exteriores do Brasil.
A reação a essa influência, no entanto, não se restringe ao campo da preocupação. Uma grande parte das interações em redes sociais, por exemplo, são de brasileiros que, com bom humor e ironia, brincam com a ideia de uma “recolonização” do país europeu.
A Influência cultural e linguística brasileira em Portugal
A influência brasileira no país é um fenômeno multifacetado e pode ser percebido em diversas áreas, além das redes sociais e do humor. “A atual onda migratória brasileira difere dos fluxos anteriores por englobar migrantes de todas as classes sociais, tornando sua presença e impacto mais evidentes“, afirmou Pedro Góis, professor da Universidade de Coimbra e especialista em sociologia da etnicidade e da identidade.

Essa diversidade se reflete na proliferação de negócios brasileiros em solo lusitano, na força da música e da dança brasileiras e, notadamente, na própria língua portuguesa, que chega com intensidade por meio das redes sociais e do contato diário.
Em locais como Braga, onde aproximadamente 15 mil imigrantes brasileiros vivem, representando cerca de 8% da população, a fusão cultural é tão notável que a cidade já foi apelidada de “Braguil“, e os imigrantes que residem são conhecidos como “bragaleiros“. Como reflexo dessa realidade, a rede de supermercados Continente, por exemplo, confirmou a implementação do Pix como um projeto-piloto em seis de suas lojas na região.
Outros comércios, como a loja de departamentos El Corte Inglés e a rede de eletroeletrônicos Worten, também têm aderido ao sistema de pagamentos instantâneos brasileiro. Há também a presença de produtos importados e o crescimento de restaurantes de culinária.
A língua portuguesa também se transformando: com palavras e expressões como “grama“, “geladeira” e “dica” tornam-se cada vez mais comuns no vocabulário dos portugueses, especialmente entre crianças e adolescentes que consomem conteúdo de influenciadores brasileiros. Lisboa abriga a maior comunidade brasileira na Europa, sendo sua presença ainda mais marcante, com a capital portuguesa chegou a formalizar a incorporação do Carnaval Brasileiro de Rua em seu calendário oficial de 2025.
O intercâmbio acadêmico e profissional
Outro pilar da influência brasileira em Portugal é a área da educação. Com 19 mil brasileiros matriculados em instituições de Ensino Superior portuguesas, o intercâmbio sendo facilitado pelo reconhecimento da nota do Enem por 26 universidades do país, o que atrai um grande número de estudantes.
Esse fluxo, segundo Pedro Góis, traz benefícios mútuos: enquanto Portugal “exporta seu serviço” educacional sem sair do país, recebendo mensalidades e impulsionando a economia local, a presença dos estudantes brasileiros desafia as instituições a revisarem seus métodos de ensino e a aceitarem as diferentes variantes da língua portuguesa. E muitos desses estudantes optam por permanecer no país após a graduação, integrando assim a força de trabalho local.
A influência brasileira também se estende aos tribunais. Na Ordem dos Advogados Portugueses 10% dos membros votantes são brasileiros. Graças a um convênio anterior entre a Ordem dos Advogados Portugueses e a OAB (revogado em 2023, mas sem afetar os já inscritos).
Porém no entanto, essa crescente influência nem sempre é vista de forma positiva. Patricia Martins, aponta que a reação de alguns portugueses aos memes pode estar ligada a uma visão idealizada do imperialismo português e à ausência de uma revisão crítica do período colonial no ensino básico. Segundo a historiadora e professora da Universidade de Oklahoma.
Somado a isso, o avanço da direita radical em Portugal e na Europa tem impulsionado discursos anti-imigração e, por vezes, xenofóbicos. As denúncias de xenofobia contra brasileiros no país europeu cresceram 505%, entre 2017 e 2021, segundo a Comissão para a Igualdade e contra a Discriminação Racial.