Um relatório produzido pelo Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura (MNPCT), entidade ligada ao Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, descreveu uma situação de superlotação persistente, condições precárias de infraestrutura, falta de serviços essenciais e graves acusações de violência física e psicológica praticadas por agentes do Estado nos presídios, hospitais psiquiátricos e centros socioeducativos de Pernambuco.
As inspeções foram realizadas entre os dias 15 e 19 de abril de 2024 e o material foi apresentado em audiência pública na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe) nesta segunda-feira (19).
O relatório aponta que Pernambuco detém a sexta maior taxa de ocupação carcerária do Brasil, com aproximadamente 30 mil pessoas presas em um sistema projetado para apenas 15 mil. A situação é agravada pela alta proporção de presos provisórios, que representam quase 50% da população carcerária do estado, colocando Pernambuco no quarto lugar nacional nesse quesito.
Os chaveiros
Um dos pontos mais críticos levantados pelo MNPCT é a legalização da figura dos “chaveiros” ou representantes de pavilhão, detentos que exercem funções disciplinares dentro das unidades prisionais, amparada pela Lei Estadual nº 15.755/2016. Segundo o relatório, essa prática tem sido diretamente associada a abusos, tortura e graves violações de direitos humanos.
No Presídio de Igarassu, duas mulheres trans denunciaram o “chaveiro“, um detento que exerce controle informal sobre os demais presos, por obrigá-las a se prostituir, conforme registrado em vídeos gravados dentro da própria unidade prisional. Igarassu, antes de sua desativação em abril, era classificado como um dos casos mais graves no documento do MNPCT. Com capacidade para 1.300 pessoas, abrigava quase 6 mil presos, atingindo uma taxa de ocupação de 442%, muito acima do limite máximo de 137,5% estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Na Penitenciária Juiz Plácido de Souza, em Caruaru, as celas foram descritas como “gavetas mortuárias” pelo MNPCT, espaços minúsculos e insalubres onde os presos mal conseguiam se mover ou deitar. Com capacidade para 744 pessoas, a unidade custodiava 1.735 detentos, resultando em uma taxa de ocupação de 246%.
O relatório também denuncia o uso de castigos físicos, isolamento prolongado sem amparo legal e a atuação dos “chaveiros“, além de descrever a alimentação como “insuficiente” e de “baixa qualidade“.
A situação da Colônia Penal Feminina de Buíque, no Agreste, é descrita como uma “negligência sistêmica em relação às questões de gênero“. Inicialmente projetado para homens, o espaço foi adaptado, mas é frequentemente utilizado como “castigo ilegal” por meio de transferências administrativas sem ordem judicial, devido à sua localização remota e às dificuldades de visitação.

Com capacidade para 107 internas, abrigava 232 mulheres no momento da inspeção (taxa de ocupação de 216%). O relatório critica a presença de agentes penitenciários do sexo masculino em funções de custódia direta, em contrariedade às Regras de Bangkok da ONU. Mulheres relataram violência física, uso de spray de pimenta e balas de borracha, além de negligência médica.
Adolescentes em risco
As inspeções do MNPCT também revelaram violações em unidades da Fundação de Atendimento Socioeducativo (Funase). Relatos de agressões físicas, uso de algemas em consultas externas e revistas vexatórias foram registrados. A assistência médica é limitada, sem protocolos para prevenção de suicídio, e a presença de agentes masculinos em unidades femininas foi criticada. As condições de higiene nos locais também são precárias, sem pessoal para limpeza.
Diante do cenário, o MNPCT apresentou uma série de recomendações urgentes ao governo de Pernambuco. Entre elas, destacam-se a separação adequada entre presos provisórios e condenados, a proibição de isolamento prolongado e celas escuras, a formação específica para professores em unidades prisionais, a substituição de policiais por técnicos qualificados em cargos administrativos, o uso obrigatório de câmeras corporais por agentes de segurança, a proibição do uso de spray de pimenta em ambientes fechados e o fornecimento regular de colchões antichamas, roupas e materiais de higiene.
O relatório também cobra a ampliação das oportunidades de estudo e trabalho para presos, a construção de espaços adequados para visitas íntimas e a proibição de agentes masculinos em funções de custódia em unidades femininas. Além disso, o documento ainda exige a retomada do funcionamento do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT/PE) e ressalta que o governo de Pernambuco “deve abster-se de exercer influência política” sobre o órgão, garantindo sua autonomia. Wilma Melo, do Comitê Estadual de Combate à Tortura, reforçou a necessidade de independência do MEPCT/PE.