As ligações automáticas, conhecidas como “robocalls” ou “metralhadoras“, passaram a fazer parte do cotidiano dos brasileiros. Dados da Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) revelam que cerca de 20 bilhões de ligações são disparadas mensalmente no país, sendo que metade delas é realizada por robôs programados para discar incessantemente.
Uma investigação conduzida pelo programa Fantástico expôs as empresas que fornecem a tecnologia por trás dessas ligações, revelando um cenário que vai além do mero incômodo.
Telemarketing Oculto por trás das ligações
A aparente aleatoriedade das robocalls esconde uma tática: a ligação, que dura apenas alguns segundos, serve como um teste de “prova de vida“. Ao atender, o usuário indica que sua linha está ativa e, portanto, representa um alvo potencial para futuras investidas de telemarketing ou até mesmo golpes mais elaborados.
A obtenção desses dados, muitas vezes de forma questionável e sem o consentimento dos titulares, ilustra a fragilidade da proteção de informações pessoais no Brasil. A estratégia das robocalls também se sofisticou no sentido de ocultar a origem da chamada.
Ao receber a ligação, o usuário visualiza um número virtual inexistente, impossibilitando o retorno da chamada. Essa tática permite que atendentes de call centers não percam tempo com números inativos, otimizando suas operações.
Escalada dos golpes
Nos primeiros dois meses deste ano, foram registradas quase 24 bilhões de ligações automáticas, um salto de 12% em comparação com o mesmo período de 2024. O excesso de chamadas telefônicas não só provoca irritação, como também leva muitos brasileiros a ignorarem ligações provenientes de números desconhecidos.

A sofisticação das robocalls vai além da discagem em massa. Empresas especializadas desenvolvem sistemas que permitem a alteração do DDD de origem da chamada. Uma ligação originada em São Paulo, por exemplo, pode exibir um DDD do Rio Grande do Sul, aumentando a probabilidade de o destinatário atender, acreditando ser uma ligação local. Além da manipulação do DDD, os sistemas automatizados são capazes de gerar números aleatórios que não existem, tornando ineficaz o bloqueio de chamadas.
Essa tecnologia também abriu uma perigosa avenida para o crime organizado. Quadrilhas utilizam as robocalls para aplicar golpes, aproveitando a dificuldade das vítimas em discernir a autenticidade das chamadas. Modelos prontos para gravação e envio de áudios com mensagens fraudulentas circulam na internet.
Especialistas em direito defendem que as empresas responsáveis pela operação desses sistemas devem ser responsabilizadas por infrações ao Código de Defesa do Consumidor e à Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), citando possíveis infrações apontadas estão falsidade ideológica, fraude eletrônica, crimes contra o sistema de telecomunicações, formação de associação criminosa e lavagem de dinheiro.
Diante desse cenário, a Anatel afirma estar trabalhando para ampliar o combate às ligações abusivas. Segundo Cristiana Camarate, superintendente de relações com consumidores da agência, foram reduzidas 222 bilhões de chamadas circulando nas redes de telecomunicações desde junho de 2022 até março deste ano.
A agência também está implementando uma nova medida chamada “origem verificada”, que exibirá o nome, a logo da empresa e o motivo da ligação no visor do celular, buscando aumentar a segurança e a transparência para o consumidor.
Em comunicado, a Associação Brasileira de Telesserviços (ABT) afirmou que as empresas vinculadas à entidade utilizam apenas informações repassadas pelos próprios clientes, não adquirem listas de dados no mercado e adotam medidas para coibir chamadas silenciosas ou excessivamente repetitivas.