Press ESC to close

Primeiro levantador de peso trans do Brasil, relata desafios no esporte e no uso de hormônios

João Vieira Caetano faz história como o primeiro atleta trans no powerlifting brasileiro, enfrentando desafios hormonais e sociais em sua trajetória

João Vieira Caetano, 37 anos, se tornou o primeiro homem trans a competir oficialmente no powerlifting brasileiro. Sua trajetória no esporte, marcada por resiliência, superação e desafios começou ainda na infância, quando encontrou nos exercícios físicos uma forma de lidar com perdas familiares e dificuldades pessoais. Segundo reportagem da GQ Brasil, foi em 2012 que ele deu início à carreira no levantamento de peso, mas, ao solicitar competir entre homens cisgêneros, enfrentou a recusa das federações.

Fiquei dois anos de molho”, recorda Caetano. A volta só ocorreu graças ao incentivo da campeã mundial Ana Rosa Castellain, que o ajudou a ser aceito no circuito de Santa Catarina. Em 2018, fez história ao vencer a categoria de 74 kg da etapa catarinense, se tornando o primeiro atleta trans a alcançar o feito no país.

Desafios do treino e o uso de hormônios

A rotina de Caetano envolve estratégias comuns a atletas de elite, como creatina, suplementação proteica e alimentação regrada, mas também carrega especificidades do universo trans. De acordo com a GQ Brasil, ele explica que precisa do uso terapêutico de testosterona, o que gera gastos médios de R$ 600 por mês e exige controle rigoroso de aplicações.

As pessoas acham que levo vantagem por usar testosterona. Mas é o contrário: eu sempre acabo competindo em desvantagem”, relata. Isso porque, enquanto homens cisgêneros produzem o hormônio naturalmente em níveis elevados, Caetano depende de doses controladas para se manter competitivo. O ajuste inadequado pode trazer efeitos colaterais, como retenção de líquidos, que atrapalham seu desempenho e até o enquadramento em categorias de peso.

Outro recurso importante em sua preparação é a periodização de força, alternando treinos leves e intensos conforme o calendário competitivo, reduzindo riscos de lesão e garantindo progressão gradual de carga.

Reconhecimento e resistência

Natural de Ribeirão Preto (SP), Caetano enfrentou episódios severos de transfobia em sua vida pessoal e profissional. Só em 2017 começou a expressar sua identidade de forma mais livre, deixando a barba crescer e raspando a cabeça. Com coragem, mudou-se para Florianópolis em busca de melhores oportunidades e para seguir competindo.

O reconhecimento oficial veio em 2021, quando a Federação Brasileira de Powerlifting o registrou como competidor masculino após avaliar que seu uso terapêutico de hormônios o mantinha em condições de igualdade com adversários cis.

Hoje, Caetano segue treinando para novas competições e reforça a importância de ter sua história contada.

Eu queria muito que a minha história fosse contada, é muita porrada que eu levei na vida, sabe?”.

Com dedicação e disciplina, ele prova que seu pioneirismo vai além do esporte: é um marco de resistência, representatividade e força para a comunidade trans no Brasil.